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07/05/2008 às 17h46 - Opinião
A Mão que Atira a Pedra

 

A Mão que Atira a Pedra
 
I – A propósito daquela cena lamentável na sala de aula: houve quem tivesse entendido que o Sr. Procurador-geral da República acha crime a má educação dos jovens; houve quem tivesse entendido que o Sr. Procurador-geral quer a polícia na Escola; houve quem tivesse entendido que o Sr. Procurador deve perseguir os jovens indisciplinados, malcriados, pôr-lhes um polícia no encalço, açaimá-los, conduzi-los a tribunal e resmungar-lhes, de dedo em riste, uma lição de Moral e Boa Virtude Social e obrigá-los a sentar à mesa a tomar chá e a não falar com a boca cheia.
            II – E se assim é: cuidado, jovens com acne, borbulhentos e voz de falsete, barba rala, seios miúdos, calças esfiapadas, cinta descida a ver-se-vos o rabo, sorrisos malandros presos com piercings. Cuidado, jovens dos shots, gestos de hip-hop, cigarro proscrito, primeiros beijos, amores levianos e preservativo à mão. Cuidado, jovens do MSN, da Net, do youtube.com, das mil mensagens por mês, do telelé omnipresente, com câmara de filmar curta-metragem que topa-tudo. Cuidado, rapaziada, que a costumeira brigada dos costumes começa a sair do seu torpor, acabadinhos de acordar da soneca ferrada em frente à televisão estúpida. Cuidado, que eles estão a marimbar-se que vocês estejam com a adrenalina e a testosterona lá nos píncaros. Cuidado, que eles estão a borrifar-se que vocês andem atordoados da meninice recém acabada, ainda trôpegos como uma ave caída do ninho, incertos da serventia das asas e do futuro. Cuidado que eles não vos conhecem… não vos sabem os gostos… os sonhos… e já se esqueceram do temor que é enfrentar a vida quase inteira por viver e da angústia que é saber por onde começar. Cuidado, que eles odeiam o vosso linguajar repleto de palavrão vernáculo, as vossas lutas simuladas para impressionar a fêmea, os risinhos cúmplices delas e a mania de andar em bandos como se fora uma tribo em bolandas de caça. Cuidado, que os irrita a vossa música pum… pum… pum…, a dança tribal e a bebedeira ritual.
Tenham cuidado, miúdos!
Tenham cuidado, que chegou a polícia… prriiii… prrriiii…, mandatados pela gente de bem para vos pôr na ordem, vergar-vos a irreverência, algemar a impertinência e enclausurar os excessos de juventude.
Tenham cuidado: porque os mandantes, na sua hipocrisia moral, ainda não entenderam que deveriam ser eles a responder pelos vossos gestos e a ir presos; porque lhes competia o exemplo: como pais, como trabalhadores, como gestores, como funcionários, como políticos, como dirigentes.
Tenham cuidado, porque o vosso mundo é o mundo que eles criaram em cima de mundo que herdaram, e por enquanto ainda são eles os donos da palhota!
E acusam-vos de não saberdes estar na Escola.
Porque não lhes respondeis que a vossa Escola, sem autoridade, sem ensino, sem exames, sem faltas, em que os verdadeiros professores (os empenhados) já desistiram, cansados, zangados, frustrados, não foi criada por vocês?!
E já agora – que o ferro está quente – porque não lhes dizeis que a vossa Escola, sem projecto educativo que todos entendam e em que todos participem, sem intercâmbios culturais que vos proporcionem mundo(ividência), sem desporto que vos faça suar os excessos de energia juvenil, sem livros que vos façam devanear e reflectir, não foi pensada por vocês?! Nem foram vocês que a quiseram assim, tanto que a encontraram assim?!
Porque não lhes dizeis que a vossa Escola, a precisar de mais do que uma demão de pintura, desconfiada e temerosa entremuros, guardada à vista, de entrada condicionada… para prevenir todos os perigos… não foi criada por vocês?! (Nem vocês são o perigo!) E não foram vocês que a barricaram assim?!
E já agora, rapaziada – e desculpem a intrusão no recôndito da vossa casa e da vossa alma –, quantos de vocês falam com os vossos pais, conversas francas, amigáveis, amenas, a exorcizar o temor que é começar a vestir tamanho XL e a ter de ganhar maturidade tamanho XL, responsabilidade XL, num mudo de sonhos e ambições desmedidamente XXXL?
Digam lá, rapaziada, é verdade ou não que o papá e a mamã não vos ouvem, comunicação off/cortada, ele porque está mais preocupado em comprar o popó último modelo (de importação) – a prestações ruinosas –, ela porque planeia as férias de sonho, lindo bronzeado mate – a prestações ruinosas?
É verdade ou não que eles vos mandam prá cama, como pró degredo, porque assim monopolizam o sofá, de chinelo, e ninguém lhes interrompe o futebol, o concurso e a telenovela tonta?
E vós, no quarto… computador ligado banda larga a outros quartos, outros degredos, outras casas, conversa cifrada em português abreviado, nas vossas intimidades, nos vossos segredos... nos vossos desamparos e solidões!
Pois é. E depois cresceis sem referências, sem contacto humano (como os meninos-lobo), sem critério, quase à balda, e o lema é: viver é fácil, basta não estar morto!!! E acontece o que aconteceu… dá no youtube, na televisão… a coisa foi feia… “alguém tem de fazer qualquer coisa, porque isto assim não está bem”… e resmungam que …“isto assim não pode ser”, “se já se viu”, “que despautério” (eles não dizem despautério; eu é que digo, pra ficar bonito aqui), “…já não há educação”, “aonde é que o mundo vai parar!?!”; e mais um ror de frases feitas, caras de espanto, como se vocês sejam a nova horda de Bárbaros que ameaça tomar Roma e brutalizar a Civilização.
Sabem uma coisa, rapazes, eles ao acusar-vos é como se culpassem a pedra que lhes acerta na cabeça e absolvessem a mão que a atira! Sim, porque eles são a mão que atira a pedra. Sim, eles, exactamente a mesma mão que embala o berço.
III – Por aquilo que tem dito a propósito, suspeito que o Procurador-geral tenha descoberto as virtualidades da “teoria da janela partida”.
Há uns anos, o então Mayor de Nova Iorque – Rudolph Giuliani – revelava que o segredo para ter conseguido baixar de forma notável o índice de criminalidade na cidade tinha passado pelo facto de ser chamado à responsabilidade todo aquele – de menor ou maior idade – que praticasse um acto ilícito, mesmo que de reduzidíssima gravidade. E dava até um exemplo: o de um miúdo que tivesse partido um vidro duma janela. Dizia ele que a não punição do facto, ainda que leve, leva à impunidade e ao cometimento de factos mais graves, pois esse miúdo num dia partia a janela e no outro entraria por ela para fazer um assalto.
Ora a ideia que o Sr. Procurador defende é tal qual a teoria da janela partida. Isto é, precisamos que os jovens saibam que podem ser responsabilizados pelos actos ilícitos que praticam, mesmo que os mais incipientes. E se a “pena” for proporcionalmente adequada e não for humilhante, ela serve de correctivo bastante para prevenir a escalada no crime.
E que há, de facto, boas maneiras de lidar com o chamado ilícito de “baixa densidade” sem deixar marcas estigmatizantes e de revolta contra o sistema punitivo, há: o trabalho a favor da comunidade é disso um bom exemplo.
Porém, no contexto em que é feita a intervenção do Sr. Procurador – e ele apenas aproveitou muito sagazmente a onda para introduzir o tema – ficou a ideia de que a Escola é um meio criminógeno e que precisa de medidas de excepção e de polícia.
E este é o erro!
Porque a tal mão que atira a pedra, a tal mão que embala o berço encontra aqui a melhor desculpa para continuar a assobiar para o lado; uns continuando a expectorar palermices no Parlamento, num insulto à inteligência, outros a experimentar idiossincrasias no Ministério, outros ainda enterrados no sofá a coçar os fundilhos, a arrotar boçalmente da cervejinha e o Verão que não chega… e o resto que se lixe.
Vamos lá a ver se nos entendemos: os jovens – com mais uma tatuagem ou sem ela; com mais um penteado ou sem ele – são tudo aquilo que qualquer adulto já foi… sem tirar nem pôr. A Escola, não! A Escola é aquilo que, nós – comunidade –, fazemos dela a cada momento. E nós – comunidade – não soubemos fazer dela um lugar educado, de respeito, de postulação de valores, de ensino, de aprendizagem (saber-saber, saber-fazer, saber-estar), de sociabilização, de rigor, de exigência e de mérito. Ponto.
E se assim é, se quiserem continuar a fingir que a Escola é o problema, e que é a Escola que tem de encontrar remédio para os excessos, e que é a ela que lhe compete auto-regular-se, para calmar as nossas consciências, acho bem que defendam que o Sr. Procurador lá entre com a polícia, com a tropa e mais um cão.
 
Rogério Paulo Correia

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